segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Como trabalhar a escrita?

Os corajosos que se arriscam a entrar na empreitada da escrita são, frequentemente, assaltados por um conjunto de dúvidas variadas que vão desde a ideia do enredo em si ao questionamento das suas próprias capacidades. Talvez isto aconteça porque fomos educados a olhar para a literatura, como para outras áreas artísticas, com olhos de deusificação. Muitas vezes, a tendência é para ver o escritor como alguém que nasceu com um talento raro e absoluto e que, por isso, consegue enlear-se nas palavras sem esforço. Se é certo que os génios existem, não é menos verdade também que a genialidade necessita de ser desmistificada. Quero com isto dizer que a criatividade e a formação também têm um lugar importante na criação literária. Escrever é uma arte que se aperfeiçoa, como todas as outras. Claro está que, muitos de nós, têm uma sensibilidade mais acurada para determinadas matérias ou atividades, mas a escrita é tão vergável aos efeitos da prática como qualquer outra área.

As técnicas aprendem-se. A imaginação estimula-se. A prática e a persistência devem ser constantes. E a qualidade da nossa escrita é absolutamente essencial nesta empreitada. Quanto mais lemos, mais rico se torna o nosso vocabulário e maior é a nossa perspicácia para percebermos como se constrói um bom texto. Por sua vez, quanto melhor for a qualidade da nossa escrita, maiores são as hipóteses do nosso trabalho se distinguir dos restantes e, por isso mesmo, vir a ser publicado. Claro que, na ficção em particular, a coerência do enredo, a intensidade das personagens ou a atualidade do tema são elementos cruciais para a publicação da obra, mas a riqueza da escrita tem de ser um elemento transversal a todos estes. Sabiam, por exemplo, que muitos editores e agentes ignoram por vezes as sinopses dos livros que recebem passando diretamente ao original? Se a escrita for boa, voltam à sinopse mas, se não o for, então o original só pode ser posto de lado. Entendem agora a importância do trabalho de escrita?

É certo que não há regras que garantam uma escrita de qualidade, mas existem várias técnicas para ajudar a evitar uma má escrita. É a escrita de qualidade que, por exemplo, consegue estabelecer a diferença entre os clichés vulgares e as repetições intencionais de efeito poético; é ela que permite evitar pleonasmos, inventar novas palavras, disseminar figuras de estilo ou contribuir para o enriquecimento da nossa língua. Foi com este objetivo em mente que decidi entrar nesta empreitada com o Quinto Editor para partilhar convosco algumas técnicas que tenho vindo a absorver nas minhas aulas de Escrita de Ficção e de Revisão de Textos. Fiquem atentos pois, durante as próximas semanas, vamos desenvolver tópicos tão diversos como grandes inícios da literatura, palavras intraduzíveis, figuras de estilo, exercícios para evitar os erros mais comuns ou técnicas para construir cenários convincentes, diálogos dinâmicos e personagens inesquecíveis, entre muitos outros. 

Eça de Queiroz demorou 10 anos a escrever Os Maias, James Joyce levou 7 para compor o grande Ulisses e Gustave Flaubert tinha por hábito dizer que «o talento é paciência sem fim». A isto eu acrescento que ele é também a força da prática, da repetição, da persistência, do método e, claro, da ambição. 

Escrito por Bárbara Soares

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O que pode encontrar num Beta-reader?



Nunca me esquecerei da primeira vez que fui beta-reader. Não foi há muito tempo e fi-lo por curiosidade. Nunca pensei que se viesse a tornar numa das tarefas que mais prazer me dá e que aceito com facilidade. Costumo ser bastante crítica, mas tento não mexer muito na história e no estilo pessoal do escritor. Quando um manuscrito me vem parar às mãos, o meu lema é “como posso ajudar esta pessoa a publicar esta obra?”. Na minha cabeça tenho sempre em mente que a pessoa TEM de o publicar. É uma forma de me motivar e dar o máximo. Daí ser tão crítica.

Mas o que é um beta-reader?

É interessante como alguns dos autores que me pediram ajuda não sabiam o que era ser-se beta-reader nem o que procurar nessa pessoa. Aqui ficam algumas dicas. Se está a escrever um livro e gostaria da ajuda de um beta-reader, fique aqui a saber o que é, o que pode esperar e que erros não deve cometer.

O que é um beta-reader
Um beta-reader, ou leitor beta, é uma pessoa que lê a versão "final" do manuscrito (para o escritor) mas antes de ser enviado ao editor. Não faz sentido que um escritor envie uma obra inacabada. Claro que, por vezes, pode fazê-lo, e já me aconteceu ajudar um escritor quando o processo ainda ia a meio, mas, nesse caso, a pessoa estará a fazer mais do que um trabalho de leitor beta. Um beta-reader corrige erros ortográficos (mas lembre-se que existem ferramentas próprias que devem ser usadas antes do documento ser enviado) avalia a acção, personagens, procura incongruências temporais, logísticas, etc. Não lê apenas a obra, mas tece comentários no sentido de apontar um caminho para a melhorar.

Quantos beta-reader devo arranjar? 
Na minha opinião (e não passa disso) não muitos. Por vezes, less is more e mais vale 1 bom beta-reader do que 5 que lêem a obra só para poder dizer que fizeram de beta-reader sem dar um contributo significativo. Esta questão relaciona-se com a próxima…

Que tipo de pessoa procurar?
Isto é importante. Se escreve poesia (por exemplo) não faz sentido pedir a uma pessoa que não gosta do estilo. Já fiz de beta-reader em livros eróticos e senti que o meu contributo para o escritor não era tão bom como seria no caso de ser um estilo que me agrade. Tente saber coisas sobre a pessoa. Não lhe peça um CV mas pergunte-lhe de que géneros gosta ou se tem uma conta no goodreads para avaliar as leituras que faz. Lembre-se que deve procurar pessoas com experiência – pergunte-lhes se têm alguma. Prefira pessoas que já fizeram de beta-reader em livros que já foram publicados. Por fim, pode apostar em alguém que tenha um blogue e que depois poderá falar na sua obra quando ela já estiver publicada. Peça sempre ao beta-reader para não mostrar o manuscrito a ninguém nem falar sobre ele. Isto é básico, mas nem toda a gente se lembra…

Quanto tempo vai demorar a ler?
Depende muito do livro e do leitor beta. Lembre-se de lhe estabelecer um prazo, mas tenha em atenção o timing dos dois. Já comentei livros num dia e também já demorei meses. Negoceie um limite e tente que não seja ultrapassado. Vá mantendo contacto com o leitor beta - de X em X tempo mande uma mensagem ou um e-mail a perguntar como está a correr (sem pressionar).

Sou escritor e um beta-reader fez-me muitas críticas. Devo mudar consoante o que ele me diz? 
Depende. Uma vez um escritor enviou-me um documento com os comentários de um outro beta-reader e perguntou-me a minha opinião. Para além de eu não concordar com quase nada do que o leitor beta tinha feito, o mesmo defendia uma enorme reformulação da história. Esse não é um papel de beta-reader. O escritor cria a história. Se o beta-reader não “gosta” do enredo, do final ou da personagem X, paciência. Não é esse o seu papel.

Por fim… uma dica. 
Respeite um beta-reader e exija respeito. 

Respeite - Lembre-se que está ali uma pessoa a despender voluntariamente do seu tempo para o ajudar. Já soube de casos de escritores a pedirem beta-readers e, passado uns dias, mandaram-lhes mensagens a dizer "ah, afinal já não preciso!". Isto é inadmissível.
Veja o que a pessoa tem para dizer e os comentários que tece pois só o quer ajudar a melhorar. Leia com olhos de ler e reflicta no que lhe disse.
Se pede a alguém para perder o seu tempo a ler o que escreveu, lembre-se de lhe agradecer (uma referência ou agradecimento no próprio livro é um gesto simpático que não custa nada).

Seja respeitado - Já vi casos de beta-readers a fazerem comentários sarcásticos e depreciativos aos manuscritos dos escritores. Não é isso que se pretende. Por vezes, eu uso o humor com alguns autores, mas para isso é necessário já haver uma certa confiança. Não deixe que gozem consigo, com o seu trabalho nem permita que o tratem mal.

Escrito por Roberta Frontini a 16 de Fevereiro de 2014, publicado a 18 de Fevereiro de 2014.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Álvaro Cordeiro: “O autor diz-se no que escreve, os leitores leem-se no que ele escreveu”

Nós, Vida, de Álvaro Cordeiro. Primeiro livro publicado do escritor, primeira publicação da editora Livros de Ontem, primeira edição pela qual fui responsável.

Ainda hoje, tal como na primeira vez, esta é uma obra que me surpreende e fascina a cada leitura. O grafismo e o toque dos materiais resultaram na perfeição correspondendo exactamente ao que imaginei para valorizar a narrativa sublime do livro. Esta obra é, em parte, responsável pelo que hoje sou enquanto editor e pelo percurso que a Livros de Ontem tem percorrido enquanto editora. Penso que tal se deve à elevada altura da fasquia de qualidade que foi oficialmente estabelecida a 20 de Junho de 2013, data do lançamento de Nós, Vida.

Decidi, por isso, esmiuçar um pouco mais este livro e o seu processo de publicação. Perceber quem é o autor, de que trata este livro, contar a história de como tive acesso ao original e como o foi tomada a decisão de abrir uma nova editora com uma publicação a cores de quinhentos exemplares deste livro de um autor desconhecido.

Na esperança que a história revele pistas sobre como funciona a mente de um editor quando tem de decidir a publicação de um texto, começo este ciclo com uma entrevista que realizei ao autor.
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O Paulo é um novo autor mas apenas como autor publicado. A escrita, em si, já não é novidade. Quando começou esta apetência pela palavra?
Eu escrevo desde a adolescência. E penso que tudo começou por efeito natural da minha timidez. Nunca me considerei muito dotado para a oralidade, inibo-me ao falar para outras pessoas e, por isso, desenvolvi a escrita como território privilegiado da minha expressão e comunicação. Isto depois foi potenciado pelo contacto, que vem desde a infância, com a literatura: sempre me fascinou a capacidade dos escritores usarem as palavras na sua máxima riqueza e, com elas, dizerem coisas que nós não conseguimos dizer, usando as mesmas palavras nas nossas conversas.
Primeiro para a gaveta e depois para o teatro. Como foi esse processo e como foram tomadas essas decisões? Por que não a publicação?
Sempre escrevi “para a gaveta”, desde que me lembro. E continuo a fazê-lo. Considero esse exercício importantíssimo para progredir na qualidade de escrita. Acredito que é preciso repetir páginas e páginas até chegar a algo que valha a pena ser lido por outros. A escrita teatral, de forma mais séria, surgiu mais tarde, há quase vinte anos, quando formei um grupo de teatro amador que queria encenar textos originais. Produzíamos uma peça por ano e, por cada texto que “saía”, vários rascunhos iam para a gaveta para que deles pudessem resultar outros textos mais tarde. É sempre este o processo: escrever a partir do que já se escreveu e tentar ir mais além a cada novo passo. Quanto a publicação, confesso que nunca pensei nisso: o prazer da escrita (algo romântico, reconheço…) esgotou-se sempre na contemplação da própria escrita e, no caso do teatro, na fruição do espetáculo que dela surgia. Até agora…
Chama-se Paulo Vaz, publica como Álvaro Cordeiro. Como surge o pseudónimo? É uma vontade ou uma necessidade?
Paulo Vaz sou eu, um homem comum, igual a tantos outros: exerço uma profissão, sou marido e pai; dedico-me ao estudo e ensino da História, valorizo a espiritualidade, gosto perdidamente de ler e tenho uma enorme paixão pelo teatro. Nada mais que isto. Álvaro Cordeiro não é um pseudónimo, é uma personalidade literária que habita esta pessoa comum e, dentro dela, exprime-se por escrito. Eu publico como Álvaro Cordeiro porque escrevo como Álvaro Cordeiro. Sempre escrevi como Álvaro Cordeiro, mesmo para as gavetas, desde a adolescência. Quando, no teatro, pego numa peça escrita por Álvaro Cordeiro para a encenar, encaro-a como algo escrito por outra pessoa. O mesmo sucede (e sucedeu desde o início) com o Nós, Vida: releio aqueles capítulos e admiro o facto de alguém ter conseguido escrevê-los… Isto pode parecer estranho, ou até presunçoso ou pedante, mas não é: é assim que o sinto, convivo com isto de uma forma simples e despreocupada e não costumo falar no assunto.
O que tem de novo para dizer ao mundo? Ou de diferente?
Depois de ler os grandes clássicos da literatura, fica-se com a sensação de que já não há nada de novo para dizer ao mundo. O ser humano diz-se a si próprio naquilo que os escritores escrevem, as suas palavras dizem uma outra Palavra maior que há neles, ou que através deles se transmite. E, assim, o ser humano recria-se e acrescenta-se e é por isso que a literatura é importante. E é por isso que continuamos a escrever, porque tentamos inventar maneiras diferentes de dizer o essencial que, se calhar, já foi dito mas vale a pena continuar a dizer. E o essencial é sempre o ser humano, com todo o seu potencial de energia, sentimentos, inteligência e espiritualidade. Sempre houve e haverá homens e mulheres que vivem a vida inteira sem reconhecerem em si potencial algum, ou sem terem oportunidade de ativar o que quer que seja. Como se explica este fenómeno? É o mistério de uma humanidade que foi capaz de gerar um Aristóteles, um Francisco de Assis, mas também um Rodrigo Bórgia ou um Estaline e tantos milhões e milhões de pessoas que nunca saberemos que qualidades e defeitos tinham. E é este mistério que é preciso continuar a dizer na literatura. Isto é o que eu penso e é sobre isto que escrevo. Às vezes sinto que a escrita de Álvaro Cordeiro transcende tudo isto que eu penso e sinto, ou vai buscar o que há de mais profundo em mim e exprime-o de uma maneira que eu não sei muito bem explicar como acontece. Como se as palavras escritas revelassem essa outra Palavra que é maior do que aquele que as escreve (a tal “verdade profunda ou terrível ou absurda ou final” de que fala a nota inicial de Nós, Vida). Escrever, no fim de contas, é um ato de transcendência. Gosto de pensar que talvez seja isso que tenho a dizer: o ser humano está, em tudo o que faz e vive, desafiado a transcender-se.
Decide avançar para a publicação numa altura de crise em que a cultura se ressente. Um desafio ou uma adversidade insuperável?
É verdade que vivemos uma conjuntura de crise económica grave, as pessoas temem pela sobrevivência e pelo acesso aos bens essenciais. Os equilíbrios sociais estão abalados, porque as pessoas sentem que já não podem viver segundo os padrões em que viviam e reagem pela depressão ou pela agressividade. E, na redução ao essencial, é claro que a cultura está entre os primeiros cortes, de acordo com a sociedade materialista e utilitarista em que vivemos. É inevitável, embora talvez não devesse ser assim, porque a História ensina-nos que as grandes ideias geradoras de mudança surgiram ou afirmaram-se precisamente em períodos de crise e a cultura é simultaneamente viveiro e canal de transmissão de ideias. Na Islândia, por exemplo, o Estado apostou num relançamento da produção cultural como uma das formas de combater a crise. Isto pode ser um sinal de que a cultura tem lugar num contexto de crise, porque devolve os indivíduos e a sociedade à reflexão sobre si próprios, desperta-lhes o potencial criativo, constrói ou reconstrói imagens e acorda para o essencial. Neste sentido, avançar para a publicação numa altura de crise é, sem dúvida, um desafio.
Como é ser um novo autor em Portugal? Que oportunidades e dificuldades existem?
Se considerarmos como autor aquilo que eu sempre fui (alguém que se entrega simplesmente ao ato criativo da escrita), direi que há muitas oportunidades para um novo autor: com computador e internet é possível escrever a qualquer hora e em qualquer lugar, armazenar a escrita em “gavetas virtuais” e partilhá-la de modo mais seletivo ou mais aberto, na modalidade que se quiser, através de nuvens, blogues, redes sociais, edições on-line, etc.. Se entendermos por autor alguém que publica ou deseja publicar a sua escrita e viver disso, adivinham-se mais dificuldades: talvez não seja muito difícil editar um livro e pô-lo à venda, mas para ter “êxito” é preciso criar nome e ir ao encontro dos critérios de aceitação do público (o que é bom, desde que se tenha qualidade e isso fomente mais leitura e reflexão). Ou então produzir um forte impacto de novidade com uma proposta alternativa que venha a definir um novo critério de aceitação. Em síntese, penso que há muitas oportunidades para escrever e razoáveis possibilidades de publicar, mas será difícil conquistar um espaço significativo no ambiente de massificação cultural que caracteriza a sociedade atual.
Na sua opinião, como está o panorama editorial português a nível de autores, editoras, livrarias, novos formatos?
Sinceramente, não sei responder a essa pergunta, que é demasiado abrangente. Cultivo o prazer da leitura e da escrita, mas domino pouco o panorama editorial. É um lugar comum dizer que as grandes editoras apostam nos formatos de sucesso e nos autores consagrados e descuram as propostas alternativas e os autores com universos mais particulares. Porém, eu não sei se isso não acaba por ser natural: é uma lógica de sobrevivência empresarial que, no fundo, pode prestar um serviço à difusão cultural. O mesmo se passa, porventura, com as livrarias: enchem uma montra com exemplares do mais recente sucesso mundial para que as pessoas, ao passarem, verifiquem que é uma livraria atualizada. Então, as pessoas entram para ver se há lá dentro outras coisas interessantes … e talvez reparem num dos três exemplares do Nós, Vida que foram ali postos à venda na quarta prateleira. O importante, penso eu, é que essas pessoas admitam que um livro desconhecido de um autor desconhecido pode ser interessante, que se disponham a colher informação sobre ele, que arrisquem comprá-lo e lê-lo e, acima de tudo, que formem uma opinião própria sobre o que leram, em vez de se limitarem a comprar o último best-seller estrangeiro acreditando que deve ser muito bom porque já vendeu cinquenta mil exemplares. As editoras e as livrarias são empresas que alimentam um público do qual dependem para se manter. Às vezes, os autores funcionam da mesma maneira. É, quanto a mim, a atitude do público leitor que tem de ser aberta e pluralista, fugir da simples repetição massificada, cultivar o gosto pelo diferente e valorizar universos literários variados sem precisar de fazer comparações, apreciar tanto um best-sellerinternacional como um livro de culto em edição de autor. Para conseguir chegar aí, penso que todos – autores, editoras, livrarias e, claro, leitores – temos de nos dispor a arriscar um pouco mais.
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Como define Nós, Vida?
Gostaria de deixar para os leitores a resposta a essa questão. Afinal de contas, é esse o jogo da literatura, não é? O autor escreve, os leitores apreciam a escrita. O autor diz-se no que escreve – e às vezes diz-se mais do que se conhece –, os leitores leem-se no que ele escreveu – e às vezes leem-se mais do que se imaginavam. E, a partir daí, dizem-se a si próprios de outra maneira e talvez até passem a dizer-se aos outros de maneira diferente. Por isso é que a literatura é um ato de transcendência e pode ser uma experiência transformadora. Como a arte. Nós, Vida é, sem dúvida, a forma mais acabada que até hoje consegui de me dizer, ou de dizer a Palavra que procuro em mim. Creio que ainda é uma forma incompleta, por isso é que continuo a escrever.
O que mais me chamou a atenção em Nós, Vida foi a interligação do título com a história, duas palavras singulares que formam um todo que faz muito sentido ao longo da história. Como foi o processo de construir uma narrativa tão real, tão certa com o mundo que nos rodeia?
De início não havia sequer a preocupação de construir uma narrativa sequenciada. A ideia era compor um retrato do ser humano fragmentado em cenas diversificadas com personagens diferentes que não tinham ligação entre si. Ao longo do processo de evolução da obra, as personagens foram-se tornando próximas, surgiram os laços familiares e afetivos, ataram-se os nós daquelas vidas. Como se as personagens, por meio de um mecanismo cujo controlo me ia escapando, começassem a dizer-me que o tal retrato do ser humano é feito da junção de todas elas, num todo que não é igual à soma das partes. O passo decisivo neste processo foi a transformação do texto inicial em peça de teatro, com a necessidade de conferir unidade ao conflito e definir um desenlace. Foi então que surgiu o título, que se torna muito mais significativo depois de terminada a leitura. Mas tudo isto aconteceu de um modo algo indizível e transcendente, operado por uma personalidade literária que parece gozar de uma certa autonomia dentro de mim.
Os seus personagens podiam ser qualquer um de nós. Há alguma correspondência com a realidade na construção de personagens ou a sua veracidade provém da completa abstração?
Todas as personagens são inventadas, são criações de um autor que habita em todas elas. A singularidade dos nomes, tantas vezes apontada, acentua precisamente o seu distanciamento da realidade concreta, essa “abstração”, se assim quisermos dizer. A descontextualização da narrativa, reduzindo ao mínimo as referências a tempos e lugares, também contribui para isso. No entanto, ao centrar todo o discurso exclusivamente nas personagens, no que dizem e sentem, pretende-se criar um efeito de proximidade e de identificação e é talvez por isso que elas podem ser qualquer um de nós, que as suas vidas podem contar um bocado das nossas vidas. Observando-as de perto, talvez nos vejamos melhor a nós próprios. Pelo menos, é essa a intenção.
E depois de Nós, Vida? Há mais alguma gaveta por abrir?
Há várias gavetas e não estão propriamente fechadas. A minha escrita não é um segredo, é apenas uma atividade resguardada, uma intimidade que espera os momentos adequados para ser exposta e partilhada. Nós, Vida demorou um tempo que pode parecer excessivo, mas que eu hoje sinto como tendo sido o necessário. Há outras coisas à espera, algumas em apontamento, algumas já redigidas em parte ou no todo. Posso adiantar que há um texto em processo de reescrita da terceira versão. Será o próximo livro? O autor está a fazer o seu trabalho, mas só as circunstâncias, o editor e os leitores poderão dar a resposta final…

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Dicas a novos escritores


Escrever não é tarefa fácil. Por vezes conhecem-se autores que já escreveram dezenas de livros e pode-se pensar “não deve ser assim tão difícil publicar”. Lamento, mas estão enganados!
Claro que é preciso ter muito cuidado. Recentemente, algumas “editoras” têm sido denunciadas nas redes sociais pelo facto de não ajudarem a promover os seus autores e, desde que estes paguem, elas publicam qualquer coisa.
Gostei imenso de um dos posts publicados aqui no blogue pelo João, deixo o link para consulta - http://oquintoeditor.blogspot.pt/2014/02/10-dicas-infaliveis-para-ser-publicado.html#comment-form. Trata-se de um conjunto de 10 conselhos para quem quer publicar. Algumas das considerações que ele teceu levaram-me a refletir um pouco e a recordar algumas das questões que os novos autores (que nunca publicaram) me têm feito quando me pedem para fazer de beta-reader. Elenco, assim, algumas das perguntas que me têm sido feitas.

1) Como devo formatar o texto? Existe algum tipo de letra ou tamanho?
Esta é uma das perguntas que mais me têm feito e, normalmente, quem ma faz apresenta-me um documento com uma letra de difícil leitura, com espaçamento e /ou tamanho fora do comum ou mesmo um tamanho de páginas irrisório. É preferível usar um Documento Word, Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. Cada editora poderá ter a sua formatação própria e não gostar que o escritor defina já a sua própria formatação num primeiro contacto.

2) Quanto tempo devo passar a escrever um livro?
Outra pergunta que me fazem muito. A verdade é que tenho a sensação de que hoje em dia uma pessoa quer escrever o mais depressa possível, publicar rápido e chegar ao sucesso num ápice. Nunca ouviram a máxima “a pressa é inimiga da perfeição”? Demorem tempo a fazer as coisas. Peçam a alguém para ler o original e vos apontar erros, gralhas e incongruências. Entreguem o manuscrito o mais “perfeito” que conseguirem. E se demorarem 5 anos a fazê-lo… Demorem! Mais vale apresentar um trabalho bem feito do que tentar publicar à pressa algo que até pode vir a ser rejeitado. Lembrem-se: não há contratos, não há dead lines – usem isso a vosso favor. Estão agora a começar…

3) Que editora escolher?
Este ponto é importante e foi levantado pelo post ao qual fiz referência há pouco. Há editoras que se focam em determinados temas ou áreas. Invistam tempo a procurar saber qual se adequa mais ao vosso manuscrito. Não vão querer publicar um erótico numa editora especializada em religião pois não? O risco de rejeição é maior…

4) Como faço para os persuadir a ler o meu manuscrito?
Escrevendo bem e, acrescentaria ainda, a trabalharem bem as primeiras páginas - são fundamentais. A vossa história pode ser bombástica, mas se nas primeiras páginas se esquecerem de demonstrar que são bons escritores, então, não vale a pena, pois quem seleciona as obras nas editoras pode desistir de o ler… Evitem erros, gralhas, frases gramaticalmente incorretas, demonstrem que são ponderados e usam uma escrita eloquente, percetível e elegante. Não exagerem no diálogo nem escrevam de forma tão rebuscada que tornem o texto impercetível.

5) Nenhuma editora me vai querer publicar… E se publicar sozinho?
Pode ser boa ideia, mas desaconselho a fazê-lo sem primeiro procurar uma editora. Pelo menos tentem. Há escritores que me dizem que vão publicar sozinhos porque já sabem que nenhuma editora vai querer apostar no ser trabalho. Como sabem? Não tentaram! Enviem os manuscritos e façam o melhor que conseguem e que podem. Trabalhem com esforço e serão recompensados.

Escrito por Roberta Frontini a 12 de Fevereiro de 2014, publicado a 13 de Fevereiro de 2014.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Cultura alheia

Devo começar esta crónica por avisar o leitor que não encontrará aqui quaisquer respostas, apenas questões, perguntas, interrogações. Devo também avisar o leitor que isso deve-se à minha falta de respostas para as questões que aqui quero levantar. Talvez noutra ocasião me aventure a explorá-las. Por agora, apraz-me apenas perguntar, levantar a discussão.

Não saberão os portugueses escrever? Ou cantar, ou tocar, ou representar? Não serão os portugueses seres dotados para as artes? Não saberão os portugueses pintar? Ou esculpir, ou desenhar, ou ilustrar?

Não será a criatividade uma das virtudes deste povo? Estas são as perguntas que me surgem quando vejo o top de vendas das livrarias, quando vejo os cartazes dos festivais de música, quando procuro os filmes em cartaz... Pouco ou nada tem origem em Portugal, pouco ou nada é feito por portugueses. Porquê?

Esta é a pergunta que me surge de imediato, uma interrogação que não consigo solucionar, uma preocupação que me tira o sono, a vontade de dormir. Então escrevo. Como não consigo dormir, apoquentado por estas questões, escrevo crónicas com a esperança de que elas agitem consciências, mudem opiniões e modos de pensar. Eu acredito na qualidade dos artistas portugueses, acredito no valor da arte que por cá se faz, reconheço a sua qualidade!

Por isso não compreendo como é possível que se importe oitenta ou noventa por cento da cultura que por cá é consumida? Nem na cultura somos exportadores ou, pelo menos, autossuficientes. Sintonizo a rádio e pouco oiço de português, ligo a televisão e praticamente nada tem origem própria. Porquê? Não serão os portugueses um povo de cultura? Ainda ontem sonhávamos em construir o Quinto Império e hoje dedicamo-nos à compra dos "quintos impérios alheios". Quando começaremos a dar oportunidade ao que é feito por cá, feito por nós?

Quando começaremos a comprar livros de autores de língua portuguesa? Quando começaremos a comprar os CD dos nossos músicos e os filmes dos nossos atores? E de quem é culpa? Das editoras que não publicam os nossos conteúdos? Do público que não consome esses conteúdos? Ou das editoras que não publicam esses conteúdos por eles não serem vendáveis? Ou do público que não os consome por não estarem publicados? Não o avisei eu que apenas havia aqui questões?

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A morte das palavras que repousam na obra

Hoje recupero um texto que escrevi com o intuito de expressar a minha frustração/preocupação enquanto autor, editor e leitor com a forma leviana como se critica e disseca a obra literária, expondo-a em praça pública totalmente descontextualizada e, portanto, desprovida do seu sentido original e propósito. Preocupa-me seriamente o estado da crítica literária em Portugal, o descompromisso dos meios de comunicação tradicionais, a afirmação de blogues e sites com práticas pouco claras e com influência considerável. A esse tema prometo voltar em breve, urge tentar perceber métodos e conteúdos de blogues e compará-los com os meios tradicionais. Perceber como está a ser tratada a crítica literária. Perceber qual o poder das redes sociais que trazem a público todo e qualquer texto e toda e qualquer opinião. Por hoje, fica apenas o meu texto.
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As palavras acabadas morreram. Agora tudo é editável! Morreram as histórias terminadas, as frases finalizadas. Agora tudo é discutível, tudo é debatido e anotado. A literatura já não é arte, o escritor já não é artista. Que escrita é essa a que carece de explicação? 

Um livro é o que é, uma obra acabada, um texto com um fim, com uma mensagem que lhe é inerente. Um livro representa uma história que um escritor quer transmitir, uma mensagem, um significado, algo... Algo que está entre a capa e a contracapa e que não vai para além disso senão no espírito do leitor e nas suas interrogações ou alterações de comportamento. Que livro é esse que é debatido, e alterado, e anotado, e reescrito, e censurado, e explicado? 

Um livro é um livro e nada mais. Não me expliquem uma história, por favor! Se ela carecer de explicação então não merece ser compreendida e muito menos merecia ser lida. Um livro é um livro, uma mensagem de alguém que me chega às mãos sobre essa forma, de um livro. O texto obrificado que vale por esse acabamento finalizado que não pode ser posto em causa, capaz de se fazer perceber de maneiras diferentes a cada leitura. Mediante discussão, explicação e alteração onde está a arte? O texto passa a ser um objeto, um ponto de partida para um debate que não faz sentido a quem o escreveu. A mensagem é do escritor que a escreve e do leitor que a lê. Não serve para escrutínio em praça pública por usurpadores de frases alheias. 

Sobre a escrita do escritor só vale a opinião do leitor, só isso e nada mais. Nem regras nem preconceitos, nem censura nem preceitos. Quem cria a obra é o artista, quem melhor para saber o que deve ou não ser feito? O gosto pessoal é conta de outro rosário, é isso mesmo, pessoal, pessoal e intransmissível. Agora já não há palavras acabadas nem livros fechados. São tudo ficheiros que andam por aí, perdidos em parte incerta. Nunca chegam a ser teus, nunca lhes tocas. Podes perdê-los sem nunca os teres encontrado. Não os podes folhear, levar debaixo do braço, emprestar a um amigo ou namorada, admirar numa estante. Agora já não há livros. São só palavras perdidas por esses computadores. Frases desordenadas que são baralhadas e distribuídas ao calhas, sem uma disposição cuidada na página, preparada ao milímetro a rigor com a história. 

Dizia-se que história e livro não podem viver um sem o outro. É uma capa dura ou mole que faz o livro, é a gramagem do papel que lhe dá alma, é o tipo de letra que liberta a mensagem e a deixa voar para além das páginas. As palavras acabadas morreram. Agora tudo é editável!

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Da escrita e do escritor

São frequentes os comentários que desvalorizam livros ou escritores, discutindo se são realmente dignos de serem tratados como tal. Opiniões divergentes quanto à qualidade da forma ou conteúdo de um escrito costumam desembocar em negação do título de escritor.

Por essa razão, escrevi este texto. Na tentativa de dar um contributo para a resolução deste tipo de conflitos elaborei a minha visão sobre a categorização para o título de escritor.

Alguma opinião divergente?

O médico pratica a medicina; o advogado pratica a advocacia; o professor pratica o ensino. E o escritor?

Seguindo o raciocínio, o escritor será aquele que escreve, o que me levanta uma questão: hoje em dia, todo o indivíduo não só sabe ler e escrever como o faz a todo o instante do seu dia. Certamente que não podemos seguir este caminho, senão todo o indivíduo será considerado escritor e a categorização cairá num vazio.

Da mesma forma que todos quanto escrevem com grande regularidade não são escritores, também não são médicos todos os que medicam um doente (como faz a mãe ao dar comprimidos ao filho sem terem sido prescritos pelo médico; ou como fazemos todos ao adotar certos hábitos para mantermos a nossa saúde e qualidade de vida), não são advogados todos o que julgam e argumentam a favor ou contra outros indivíduos, nem são professores todos os que ensinam algo a alguém. Então, se não podemos distinguir o escritor pela sua atividade, que outro elemento explicativo podemos nós encontrar?

Frequentemente, um indivíduo é considerado escritor quando tem um livro publicado e acessível para consulta por parte da sociedade em geral. Não me parece que assim seja, nem que esta tipologia sirva para o efeito. Segundo ela, um médico só o seria após ter curado um doente, um advogado só o seria após defender um arguido e um professor só o seria após ter ensinado um aluno.

Esta definição não contém nada senão problemas. Em primeiro lugar não se pode classificar um profissional pelo seu sucesso em determinada tarefa pois, para a ter executado, ele já precisa ser considerado como tal. Não parece lógico a ninguém que um médico cure o seu primeiro doente com sucesso antes de ser considerado médico, tal como também não é admissível que um advogado defenda um arguido antes de ter o certificado em como está habilitado para tal. O mesmo acontece com o professor que não será admitido em nenhuma escola se não for considerado apto para desempenhar tal tarefa previamente. Também o escritor não pode adquirir o seu conceito distintivo apenas após ter publicado o primeiro livro.

Quantos indivíduos há por aí que têm uma grande quantidade de obras e textos arrumados na gaveta, nunca publicados? Não serão também eles escritores? E os que escrevem blogues, crónicas, colunas, opinião, não serão também eles escritores também apesar não terem um texto publicado no formato a que nos habituámos a chamar livro? E aqueles que contam já com um ou mais livros publicados por grandes editoras cujo conteúdo é, por exemplo, dedicado à culinária e apenas contém receitas compiladas e imagens ilustrativas? Serão esses escritores, apesar de terem publicado um livro sem uma única frase criativa? Quem são os escritores?